Dia 477 | Era uma vez o Guedes | 22/04/20

Taí o podcast de ONTEM, escrito por Pedro Daltro e com a luxuosa e habitual produção de Cristiano Botafogo:

Os demais episódios você ouve lá na Central3: [Central3]

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1. O choro do prefeito

O primeiro de muitos.

“O prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB-AM​), diz que a capital do Amazonas já não vive uma emergência, mas um estado de calamidade. A cidade tem, até o momento, 1.809 casos de contaminação pelo coronavírus, além de 163 óbitos. O estado tem taxa de ocupação de 91% de seus leitos de UTI, cálculo que Virgílio considera exageradamente otimista.” [Folha]

Há um tempo eu falo que as cenas de Guayaquil se repetirão pelas bandas de cá, com mortes nas casas e corpos queimados nas ruas, veja esses números desconcertantes lá de Manaus:

“O tucano revela ao Painel uma outra conta com a qual ele afirma ter ficado assombrado: no domingo (19), 17% (ao menos 20 indivíduos) das 122 pessoas enterradas em Manaus morreram em suas casas. Na segunda (20), a taxa subiu para 36,5% (ao menos 38 pessoas) dos 106 mortos. “São números que mostram o colapso. Estamos chegando no ponto muito doloroso, ao qual não precisaríamos ter chegado se tivéssemos praticado a horizontalidade da quarentena, no qual o médico terá que se fazer a pergunta: salvo o jovem ou o velho? “, diz. “Estamos em ponto de barbárie.”

Barbárie, única palavra possível.

Repare no papo do prefeito com o silencioso Mourão:

“Virgílio reuniu-se nesta segunda-feira (20) com o vice-presidente, Hamilton Mourão, para apresentar as demandas da cidade na pandemia. Pediu aparelhos de tomografia, profissionais treinados, equipamentos de proteção individual e remédios. “O Tamiflu estamos dando contado”, diz. Virgílio diz ter aproveitado o encontro para desabafar contra Jair Bolsonaro. Ele, cujo pai, o senador Arthur Virgílio Filho, teve o mandato cassado pela ditadura militar, revoltou-se com a presença do presidente no ato pró-golpe militar de domingo (19). “Não podia deixar de condenar o presidente participar de um comício, aglomerando, e ainda por cima tecendo loas a essa coisa absurda que foi o AI-5. Cassou meu pai, cassou Mário Covas, pessoas acima de quaisquer suspeitas, e que serviam o país”, diz. “É de extremo mau gosto o presidente participar de um comício, insistentemente contrariando a Organização Mundial da Saúde e os esforços que fazem governadores e prefeitos”, afirma Virgílio. “Bolsonaro toca diariamente nas minhas feridas.” Segundo Virgílio, Mourão ouviu calado.”

A resposta à frase presidencial “Eu não sou coveiro” se deu em meio às lágrimas:

“Queria dizer para ele que tenho muitos coveiros adoecidos. Alguns em estado grave. Tenho muito respeito pelos coveiros. Não sei se ele serviria para ser coveiro. Talvez não servisse. Tomara que ele assuma as funções de verdadeiro presidente da República. Uma delas é respeitar os coveiros… Não fui criado sob essa lógica do ‘homem não chora’. Nessa crise tem acontecido isso. Às vezes, consigo controlar. Não que precisasse controlar. Muitas vezes, não consigo”.

cemiterio

“Sobre as valas que têm sido abertas pela prefeitura para comportar o aumento do número de corpos, o prefeito diz que estão sendo usadas retroescavadeiras para dar conta do serviço.Tem ali o retrato da família, põe o retrato da pessoa para poder ser homenageada em 2 de novembro [dia de finados], para não ficar aquela coisa que me lembra a ditadura militar, em que a família sabe que morreu mas não sabe onde está o corpo. É um trabalho incessante para evitar o caos funerário”, diz Virgílio. Segundo ele, os caixões serão colocados próximos uns aos outros, “bem juntos”, mas ressalta que haverá separação entre as valas.”

E aqui me valho da Marilene Felinto:

“Em artigo recente no jornal Brasil de Fato, o professor e diplomata Samuel Pinheiro Guimarães enumera uma série de motivos pelos quais Bolsonaro não pode exercer o cargo de presidente do Brasil. No final deste texto, cito alguns. E é simples assim: esse homem não pode ser presidente do Brasil. Alguém precisa tirar esse político medíocre da cena de governo, essa figura tóxica do palco da tragédia, antes que o país acabe, antes que, paralisados de espanto, ninguém mais consiga agir, ninguém mais reaja, ninguém mais pense, nem sinta, nem saiba, nem avalie. Na atmosfera de pesadelo em que vivemos, na overdose de informação e contrainformação, de mentira, de contradição e de farsa, o discurso sobre a pandemia de coronavírus lançou o país num vácuo louco, num delírio em que nada mais faz sentido.” [Folha]

Encerro com o Marcelo Coelho:

“O jornalista Eugênio Bucci observou certa vez que o pensamento da direita se resume a um princípio simples. Trata-se, dizia ele, de pôr o direito à propriedade acima de qualquer outro direito. A sobrevivência do planeta, a terra dos índios, a educação gratuita, o acesso à saúde —tudo para a direita pode ser posto em segundo plano. A liberdade, para a direita, tampouco tem valor…  A caveira nos quepes da SS e nas insígnias do Bope simboliza o que constitui um verdadeiro culto da morte, do genocídio e (por que não?) do autossacrifício até. Tirem as máscaras, seus dementes. Um dos mais fanáticos seguidores do direitismo franquista, o general espanhol Millan Astray, celebrizou-se por um discurso feito em 1936, na Universidade de Salamanca. “Morra a inteligência”, disse ele, um mutilado de guerra. “Viva a morte!” “Viva la muerte!” Na foto, Bolsonaro e seus filhos comem espigas de milho; uma metralhadora está pendurada na parede. Os fanáticos gritam na frente do quartel; querem prisões, sangue, tortura e violência. Buzinam na frente dos hospitais: querem a contaminação, querem os cadáveres dos pobres empilhados no meio da rua, querem a solução final para a miséria brasileira. Viva Bolsonaro, viva o vírus, viva la muerte.”  [Folha]

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2. Era uma vez o Guedes

O governo, todo trabalhado em doses cavalares de rivotril, se deu conta que o Guedes é o homem errado, no lugar errado – isso já estava dado antes da pandemia – na mais errada das horas.

E o Guedes, Costinha?!

costinha

“O chefe da Casa Civil, general Walter Souza Braga Netto, vai coordenar o plano de reconstrução da economia brasileira, que vem sendo apelidado de “Plano Marshall”. Ele conta com o apoio dos ministros do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. Os três tem conversado constantemente sobre o assunto. Segundo fontes próximas às discussões, Guedes não é a pessoa certa para tocar essa iniciativa, porque tem uma visão liberal demais e, neste momento, o país precisa de ações mais desenvolvimentistas.” [CNN]

Imagine aí o desespero dos liberais brasileiros e dê aquela risada gostosa, aquela risada largada.

“Na discussão sobre a retomada, a equipe econômica aposta num agressivo programa de concessões e privatizações para dar o impulso necessário à recuperação da atividade. “O dinheiro para investimentos terá de vir da iniciativa privada. O recurso público precisa dar prioridade à segurança do emprego, dos investimentos e da estabilidade dos negócios”, disse à CNN um assessor técnico do ME.”

E se o que vai abaixo já era verdade em 2019, imagine agora, com essa retração global bizarra:

“Pessoas próximas à discussão dizem que, se não forem implementadas medidas de “arranque” da atividade, a reeleição do presidente Jair Bolsonaro pode estar comprometida. A área técnica da Economia concorda no mérito, mas tenta defender os cofres públicos, preocupada com a alta do endividamento que já está contratada antes mesmo da crise dar sinais de arrefecimento.  “

Até quando eles estão certos o motivo é errado, eles nunca conseguem estar certos por inteiro.

Imagine aí o liberal brasileiro ao ler “30 anos“:

“O chefe da Casa Civil quer algo para uns “30 anos”, segundo quem ouviu dele as linhas gerais do projeto de recuperação da economia brasileira, combalida com a grave crise da covid-19. Uma reunião de Braga Netto com grandes empresários está sendo negociada para ocorrer o mais breve possível. O ministro Paulo Guedes (Economia), porém, ainda não tomou parte nas conversas sobre o assunto, restritas ao Planalto.” [Estadão]

(atualização: no anúncio os generais falaram até 2030, confusão do caralho.)

E ainda querem foder o Guedes pra dar ministério para Bob Jeff, vão foder o Guedes com requintes de crueldade!

“Os generais que cercam o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto convenceram o chefe do Executivo de que o único meio de melhorar seu relacionamento com o Congresso será através de uma reforma ministerial. Nessa reforma, há duas peças a serem jogadas. A primeira, um aceno aos partidos de que o Planalto quer participar da sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) como presidente da Câmara. Bolsonaro está disposto a distribuir cargos no governo. A segunda peça a ser jogada na reforma ministerial é o esvaziamento da pasta da Economia, comanda pelo Posto Ipiranga Paulo Guedes, cuja política recessiva já não vinha dando certo, segundo os militares, e pode ser desastrosa em tempos de pandemia do coronavírus.

O primeiro passo está sendo obrigar Guedes a engolir um grande plano de investimentos com incentivo estatal, apelidado de “Plano Marshal”. A seguir, a ideia é esvaziar a pasta de Guedes de outras atribuições, inclusive com a divisão de seu Ministério. Há duas ideias em jogo. A tese que tem mais força, no momento, é a de recriar o Ministério do Trabalho e oferecer o comando ao PTB, presidido por Roberto Jefferson (RJ). Quando líder do partido na Câmara, teve entre seus liderados o então deputado Jair Bolsonaro, com quem estabeleceu uma relação amigável. Os auxiliares de Bolsonaro no Planalto estão convencidos de que não foi uma boa ideia estabelecer um comando único no governo para toda a área de economia.” [UOL]

Imagine o Marreco de Maringá vendo que seu governo resolveu abraçar Bob Jeff e Waldemar Costa Neto!

A Mônica de Bolle é, dos liberais, quem melhor entendeu o tamanho da merda:

“Quarentenas intermitentes muito provavelmente serão o nosso “novo normal”. Queiramos ou não aceitar essa nova realidade, a verdade é que ela já está posta. É esse o cenário com o qual trabalham cientistas, infectologistas e pessoas que estão na linha de frente do combate à covid-19. As razões são múltiplas: da falta de conhecimento sobre a imunidade conferida pelo vírus à imprevisibilidade das manifestações clínicas da doença; das dificuldades de desenvolver uma vacina para um vírus novo à logística de distribuí-la por todo planeta, caso ela venha a existir. Já escrevi nesse espaço que o quadro de quarentenas intermitentes requererá, necessariamente, a adoção de uma renda básica permanente: de outro modo, não haverá como sustentar a população mais vulnerável do País nos momentos em que o recrudescimento da epidemia resultar em medidas de distanciamento ou isolamento sociais. Em artigos para este jornal, para a Revista Época e em vídeos no meu canal do YouTube tenho dito à exaustão que o momento pede que todos comecem a se preparar para uma nova realidade. Não retornaremos ao mundo que conhecíamos em janeiro de 2020 tão cedo – talvez esse mundo tenha já desaparecido para sempre.

A economia das quarentenas intermitentes é algo que não conhecemos. É um sistema que não funciona da forma relativamente contínua com a qual estamos acostumados, mas um sistema que soluça e engasga. Para atenuar esses espasmos e a volatilidade deles decorrente, tenho insistido, junto com outras pessoas, que é preciso pensar na reconversão da indústria. A economia precisa se voltar para a saúde, entendendo suas necessidades e buscando atendê-las. Esse esforço passa pela produção em escala de equipamentos hospitalares diversos, incluindo os de proteção individual, de que toda a população precisará quando as quarentenas forem temporariamente relaxadas. Abordei esse tema em entrevista concedida ao programa Roda Viva na última segunda-feira. Serviços também precisarão se readequar: restaurantes, por exemplo, terão de aprender a funcionar em rodízios, com poucos clientes e com uma capacidade de entrega que hoje não têm. Comerciantes terão de adaptar seus negócios para a convivência com o vírus, redesenhando normas e adotando plataformas online quando possível. Também precisarão, inevitavelmente, contar com serviços de entrega.” [Época]

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3. Criança-em-chefe

Tem criança birrenta por aí mais madura que o presidente:

“O presidente Jair Bolsonaro sinalizou aos ministros Walter Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) que não considera o momento ideal para eles se reunirem com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmam interlocutores do Palácio do Planalto. A aliados, o presidente ponderou que os ânimos entre o Executivo e o Legislativo ainda estão acirrados e pediu que a agenda com Maia – que estava prevista para esta semana – seja postergada. Ainda não há nova data marcada.” [O Globo]

“Contudo, Bolsonaro vai receber ACM Neto, presidente nacional do DEM, partido de Maia, nesta quinta-feira.”

Agora vai, porra, quero ver segurar o Mito!

“Nesta segunda-feira, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS), pediu à ala militar do Planalto que conversasse com Maia afim de evitar uma ruptura institucional em meio à pandemia do novo coronavírus. Segundo aliados, Ramos fez a ponte com o presidente da Câmara, que sugeriu a presença de Braga Netto como interlocutor no encontro, segundo informou Andreia Sadi, no portal G1. Maia e seu pai, Cesar Maia, têm boa relação com Braga Netto desde que o ministro atuou como interventor na segurança pública do Rio de Janeiro, em 2018.”

Bolsonaro é daqueles dementes que proíbe reunião do governo com o presidente de um dos poderes e convida generais para ato a favor de intervenção militar:

“O presidente Bolsonaro tentou dar ares de apoio dos militares à sua presença na manifestação antidemocrática que avalizou no domingo em Brasília, mas soube, antecipadamente, que a área militar se incomodava com a escolha como moldura de uma ação política o Forte Apache, como é conhecido o Quartel-General do Exército.” [O Globo]

Sim, o problema era o local! Os generais poderiam ter dito ameaçado demissão se o presidente fosse ao ato, mas sabe como é, certo estava o Olavão, “um bando de cagões“.

“Ele convidou para acompanhá-lo o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e o ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, que recusaram, por considerarem que a presença deles sugeriria que o Exército avalizava a manifestação.”

E um dos ministros negou:

https://twitter.com/MinLuizRamos?ref_src=twsrc%5Egoogle%7Ctwcamp%5Eserp%7Ctwgr%5Eauthor

E que bom que ele sempre vai respeitar a liberdade de imprensa, né?

E repare na agilidade do outro general:

“A nota do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, dizendo que as Forças Armadas são “obedientes à Constituição”, não impressionou os meios jurídicos e políticos de Brasília. Ela só foi divulgada no fim da tarde de segunda (20), mais de 24 horas depois de Bolsonaro discursar em evento que pedia intervenção militar.”

O cálculo presidencial por Bruno Boghossian:

“Jair Bolsonaro se lançou no mercado político em busca de um seguro-impeachment falsificado. Depois de alardear que há planos malignos para tirá-lo do poder, o presidente chamou líderes do centrão para o chá da tarde. Na saída, eles passaram a negociar cargos com ministros do Palácio do Planalto. Ainda que Bolsonaro tenha praticado barbaridades suficientes para justificar uma dezena de processos do tipo, não existe articulação real para removê-lo do cargo. O presidente sabe, mas alimenta a paranoia para tentar expandir seus poderes. Demonizados por Bolsonaro, os partidos do centrão se tornaram uma peça desse jogo. O governo acenou a PP, PL, PRB e outras siglas com o comando de órgãos como Banco do Nordeste, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e até secretarias do Ministério da Saúde.unto com legendas nanicas e os bolsonaristas do PSL, o bloco somaria 190 deputados —ultrapassando os 172 votos que poderiam barrar um eventual processo de impeachment. Com 206, o Planalto ainda conseguiria impedir a Câmara de aprovar mudanças na Constituição.

Para levar o plano adiante, Bolsonaro precisaria acertar as contas com uma base que aplaude sua retórica antipolítica. Ao sugerir que o objetivo da manobra é evitar uma conspiração para tirá-lo do cargo, ele espera amenizar a própria hipocrisia. O Planalto apresentou um mapa de cargos para Valdemar Costa Neto. Depois, Bolsonaro foi a um comício golpista, chamou políticos de patifes e disse que não queria “negociar nada”. De volta para casa, assistiu a um vídeo de Roberto Jefferson, que pode ser beneficiado pela partilha. O governo já tentou oferecer cargos para esses partidos em abril de 2019. Bolsonaro não segurou a língua, atacou as legendas e implodiu o projeto. Alguns políticos que estiveram com o presidente acreditam que o mesmo pode acontecer agora. O melhor seguro contra o impeachment que um presidente pode ter é governar. Bolsonaro já se mostrou incapaz de desempenhar esse papel.” [Folha]

As engrangens já tão em movimento:

“Karine Silva dos Santos, atual presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), já está em clima de despedida do cargo. Hoje, em reunião com parte de sua equipe, ela deu a entender que está fora. Nos últimos dias, vazaram as negociações de Jair Bolsonaro com caciques do Centrão. O FNDE deverá ser entregue para o Progressistas, comandado pelo senador piauiense Ciro Nogueira.” [Não lincamos Antagonista, beijo, Mainardi!]

Agora vamos lembrar Bolsonaro em novembro de 2017:

“Eu duvido que, eu sentado na cadeira presidencial, vai aparecer o ‘Seu’ Renan Calheiros e vai falar: ‘Eu quero o Banco do Nordeste pra mim.’ Eu duvido que isso venha a acontecer: a forma de fazer política como foi feita até o momento. E toda a imprensa pergunta pra mim: como você vai governar sem o ‘toma lá, dá cá’? Eu devolveria a pergunta a vocês: existe outra forma de governar, ou é só essa? Se é só essa, eu tô fora! Se é para aceitar indicações políticas, a raiz da ineficiência do Estado e da corrupção, aí fica difícil você apresentar uma proposta que possa realmente proporcionar dias melhores para a nossa população”, acrescentou o então deputado, destacando também que “geralmente os grupos políticos loteiam esses cargos para se beneficiar. Não dá para continuar administrando o Brasil dessa forma: o Parlamento indicando, impondo os seus nomes!”

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4. Quem tem cu tem medo

O que atormenta o mais atormentado dos presidentes:

“Jair Bolsonaro não está nem um pouco preocupado com o inquérito que o STF abriu com o objetivo de apurar responsabilidades pelos atos pró-golpe militar de domingo. O inquérito, aberto a pedido do Procurador Geral da República, Augusto Aras, seria para “inglês ver”.

Primeiro porque Aras, indicado ao cargo pelo amigão do presidente, o ex-deputado Alberto Fraga, não incluiu Bolsonaro entre os investigados – o alvo são deputados federais que teriam apoiado e estimulado as manifestações que pediam a volta do AI-5, entre outras iniciativas não toleradas pela Constituição.

Depois, porque o presidente e assessores consideram que a investigação correrá em “ambiente seguro”. Por sorteio, o inquérito ficou a cargo do ministro Alexandre Moraes.

O que inquieta o Planalto de verdade é outra coisa: o mandado de segurança protocolado ontem pelos advogados Thiago Santos Aguiar de Pádua e José Rossini Campos do Couto Correa – o primeiro é ex-assessor da ministra do STF Rosa Weber e o segundo, ex-conselheiro da OAB.

A peça acusa o presidente de quebra de decoro, um crime de responsabilidade. Pede, entre outras coisas, que Bolsonaro seja impedido de promover aglomerações e que apresente seus exames de coronavírus. Solicita ainda que o presidente tenha transferidas para o vice, Hamilton Mourão, algumas competências, entre elas, a de nomear ministros, sancionar leis e decretar os estados de defesa e de sítio.

Além do bom acabamento da peça, fundamentam o receio palaciano o fato de ela ter caído nas mãos do ministro Celso de Mello, visto no Planalto como arqui-inimigo do presidente.

Caberá ao decano a decisão de aceitar ou não o mandado de segurança, em sua integralidade ou parcialmente.

Celso de Mello se aposenta no final do ano.” [UOL]

Parte do otimismo do Bolsonaro é burrice mesmo:

“Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) acreditam que a investigação sobre protestos antidemocráticos pode chegar a Jair Bolsonaro ou a pessoas de seu círculo íntimo —ainda que o procurador-geral da República, Augusto Aras, não tenha pedido inquérito contra ele. Magistrados acham que, se houve participação do presidente ou de seu círculo familiar na organização dos atos, dificilmente a Polícia Federal não conseguirá desvendá-la.” [Folha]

E quem diria que fcaríamos felizes com um caso desse caindo na mão do Cabeça de Pica. Por falar nisso, um parêneteses hilário:

“A piada do dia entre os parlamentares é que os sorteios no Supremo Tribunal Federal (STF) estão sendo feitos pela mão de Deus, como o gol do Maradona.” [O Globo]

“O inquérito sobre as manifestações antidemocráticas caiu, no sorteio eletrônico, para o ministro Alexandre de Moraes, o mesmo que já preside o inquérito sobre as fake news contra o STF. E o pedido do deputado Eduardo Bolsonaro para impedir a prorrogação da CPI das Fake News no Congresso foi para o ministro Gilmar Mendes, um dos mais ferrenhos combatentes das fake news, e que tem assumido publicamente posições vigorosas contra as reivindicações ilegais de intervenção militar.”

E pouco importa que o nome do presidente não esteja no inquérito.

“Bastará um parlamentar, ou associação da sociedade civil, requisitar ao ministro Alexandre de Moraes que inclua Bolsonaro no inquérito que o pedido será encaminhado pelo Supremo à PGR, criando um constrangimento que possivelmente impedirá a não aceitação. O inquérito do ministro Alexandre de Moraes já tem uma relação de 10 a 12 deputados bolsonaristas, mais empresários, que tiveram o sigilo quebrado, e a Polícia Federal estava a ponto de fazer busca e apreensão em seus endereços quando veio a quarentena.”

Fecha parênteses.

“Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) acreditam que a investigação sobre protestos antidemocráticos pode chegar a Jair Bolsonaro ou a pessoas de seu círculo íntimo —ainda que o procurador-geral da República, Augusto Aras, não tenha pedido inquérito contra ele. Magistrados acham que, se houve participação do presidente ou de seu círculo familiar na organização dos atos, dificilmente a Polícia Federal não conseguirá desvendá-la. Se o nome de Bolsonaro não está citado, é óbvio que a gravidade a ser determinada da manifestação poderá se tornar um instrumento jurídico e político contra o presidente. Para animar mais os teóricos da conspiração do bolsonarismo, Alexandre de Moraes foi sorteado para cuidar do caso.

Na visão da turma, o ex-secretário de Segurança paulista é, além de identificado com o tucanato, o primeiro entre os togados a tramar contra o presidente —cortesia da liminar que concedeu em favor de estados e municípios, dando a eles soberania sobre medidas de combate ao coronavírus. O fato de que a decisão provisória tornou-se permanente com a anuência de todos os colegas de Moraes importa pouco, quando não aumenta o volume dos gritos por “um cabo e um soldado” a fechar a corte. O ministro acaba de ganhar um lugar de destaque no panteão das efígies de vudu dos bolsonaristas, ao lado do imbatível Rodrigo Maia.

Um detalhe do episódio que intriga políticos em Brasília é o papel do procurador-geral da República, Augusto Aras. Afinal de contas, até aqui ele vinha sendo visto como um escudeiro fiel de Bolsonaro no Ministério Público. Agora, disparou uma sucessão de eventos imprevisíveis com seu pedido de apuração do ato. Ainda que não traga inicialmente o nome do mandatário máximo, o procedimento acabar se esvaindo ou acabar por ferir de morte uma Presidência combalida mais à frente. Com a ironia de usar um dispositivo, a Lei de Segurança Nacional de 1983, sempre evocado pela esquerda como um entulho da ditadura no sistema legal. O inquérito engrossa o caldo de caracterização de crime de responsabilidade que engolfa Bolsonaro —já há mandado de segurança a ser analisado no próprio Supremo e a exigência da Câmara em que ele apresente seus exames de coronavírus.” [Folha]

Por falar em Aras:

“Com uma escalada de críticas que partem de dentro do Ministério Público Federal, o procurador-geral da República, Augusto Aras, tem se equilibrado entre a pressão de seus pares para agir contra ações controversas do presidente Jair Bolsonaro e a resposta que tem dado às demandas para não ser acusado de omissão. Na segunda-feira (20), Aras pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) a abertura de inquérito para investigar as manifestações do domingo (19) que pediram intervenção militar, o que foi acatado pelo ministro Alexandre Moraes. A solicitação mira os organizadores dos atos, mas deixa de fora Bolsonaro. Segundo pessoas próximas a Aras, ele não viu no discurso presidencial elementos que pudessem ser questionados como referendo a intervenção militar.

Para uma ala de procuradores, o gesto de ir à manifestação poderia levar o presidente a responder por agir contra políticas de saúde. Mas já houve questionamento interno sobre esse tema quando Bolsonaro foi a outros protestos semanas atrás, e Aras argumentou que o presidente estava exercendo sua liberdade de expressão. No domingo, até ministros do Supremo avaliaram que o procurador-geral não poderia ficar inerte aos atos pró-golpe. Os ministérios públicos federais no DF e em outros estados também haviam proposto investigação sobre os atos.” [Folha]

A mudança do Aras nada mais é que tirar o próprio cu da reta:

“Integrantes do MPF avaliam que Aras agiu no limite de sua atribuição para também não ser acusado de omissão. Na semana passada, ele já havia mudado de tom sobre o combate à pandemia e buscou usar o apoio dos ministérios públicos dos estados e de outros braços do MPU (Ministério Público da União) para demonstrar força. No dia 13, enviou ao ministro do STF Luís Roberto Barroso um parecer sugerindo que a decisão sobre a quarentena deveria ser tomada pela União e que o Judiciário não poderia interferir nas medidas. Afirmava que não é possível determinar o grau de isolamento social adequado contra a disseminação do vírus. Dois dias depois e ante forte reação interna, mudou de tom: defendeu claramente a competência de prefeitos e governadores para decretar a quarentena e não questionou a eficácia da diretriz de que a população fique em casa.”

Aras tá escrevendo até nota em apoio a si próprio, fascinante:

“Em outra frente, o procurador articulou com o presidente do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais, Paulo Passos, uma carta pública com elogios à condução da PGR divulgada na quinta-feira (16). Compõem o conselho os 26 procuradores-gerais de Justiça, além dos chefes do Ministério Público Militar, do Ministério Público do Trabalho e do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. A ideia da carta surgiu de um grupo de procuradores-gerais, que, vendo a ofensiva contra Aras, avaliaram que poderiam apoiá-lo. Aras foi avisado da iniciativa e, segundo relatos, ajudou a construir o texto, que diz que ele “age de forma democrática e responsável, ponderada” com interlocução com os signatários da nota. Também fez questão de dar ampla divulgação ao documento, para mostrar força diante de seu isolamento no MPF. Para os integrantes dos outros braços do MPU e estados, é útil manter bom diálogo com Aras porque ele pode garantir recursos e poder. Ele nomeou para a Secretaria-Geral do Conselho Nacional do Ministério Público o ex-procurador-geral militar Jaime de Cassio Miranda, em gesto ao MPU. Também tem buscado acomodar cada vez mais integrantes dos órgãos estaduais na estrutura do órgão.”

Tudo na base do…

E parece que a recondução de Maia e Alcolumbre teria o apoio de ministros do STF:

“A vontade de alguns parlamentares em editar versão da PEC, permitindo a reeleição de Rodrigo Maia e de Davi Alcolumbre, ano que vem, depende da volta do plenário presencial no Congresso. O tema é polêmico e ninguém quer correr o risco de o assunto ‘vazar’ nas sessões virtuais em meio à pandemia. O presidente do Senado, aliás, avisou que a ‘PEC de guerra’ foi a primeira e última desse porte a ser votada virtualmente. A Constituição veda a reeleição para o comando das duas Casas na mesma legislatura. Tentativas anteriores de mudança não avançaram. Pelo que se apurou, desta a vez, a articulação teria o reforço de… ministros do STF.” [Folha]

Dada essa quadra escrota da história taí algo que eu folgo em saber, não quero nem imaginar o Brasil sem o Maia – escrevo isso encarando o teclado e me perguntando porque diabos estou digitando essas teclas:

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5. “Ministro Rubens”

“É zero a liberdade de Nelson Teich para escolher sua equipe. O ministro da Saúde tem que submeter cada nome ao crivo de Jair Bolsonaro. A estimativa no ministério é que Teich demore mais de um mês para montar todo seu time” [Época]

UM MÊS, PORRA!! Isso só faz algum sentido se a pandemia for uma alucinação coletiva.

E tem mais milico:

“O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) quer indicar o general Eduardo Pazuello​ para assumir temporariamente como número 2 do Ministério da Saúde e montar uma equipe-tampão na pasta durante a pandemia do novo coronavírus, enquanto o ministro Nelson Teich seleciona seu time definitivo. Pazuello, escolhido para ser o secretário-executivo da pasta no lugar de João Gabbardo, está escolhendo nomes militares e civis. Toda essa equipe deverá ser nomeada em conjunto na próxima semana.” [Folha]

O time de transição será nomeado na próxima semana, viado!

“Bolsonaro e Pazuello se reuniram por cerca de uma hora e meia no fim da manhã desta terça-feira (21) no Hotel de Trânsito de Oficiais, no Setor Militar Urbano de Brasília. Após a reunião com Bolsonaro para discutir a estratégia de atuação das pessoas que Pazuello está selecionando, o general foi ao Ministério da Saúde para conversar com Teich.”

O presidente conversa com o número 2, que depóis passa recado ao número 1. Hierarquia não é o forte dos milicos, definitivamente.

“De acordo com pessoas envolvidas nas conversas, a permanência do general no ministério é temporária e, terminada a missão, como os militares se referem ao caso, Pazuello volta a comandar a 12ª Região Militar. A ideia de Bolsonaro ao fazer o convite ao general é dar tempo para Teich escolher com calma sua equipe.”

COM CALMA“!

“​A indicação de Pazuello foi feita por ministros militares do governo, entre eles o general Augusto Heleno, chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional). Com isso, o Palácio do Planalto espera que a gestão da crise seja compartilhada entre a Saúde e outras pastas, com nomes de confiança de Bolsonaro.”

NoMeS dE cOnFiAnçA de BoLsOnArO“, viado!

“A expectativa, segundo interlocutores do presidente, é deixar Nelson Teich focado nos dados técnicos de saúde enquanto o general se debruça no trabalho administrativo e de logística. Na gestão de Luiz Henrique Mandetta, a secretaria executiva era ocupada por João Gabbardo. Bolsonaro já indicou seu assessor especial da Presidência, contra-almirante Flávio Rocha, chefe da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos (SAE), vinculada à Presidência, para colaborar na transição no Ministério da Saúde. A indicação aponta que o presidente tentará ter controle sobre a equipe da pasta.” [O Globo]

E é disso que se trata um colapso do sistema: pode ter o dinheiro que quiser, faltam profssionais e equipamentos:

“Hospitais públicos já enfrentam dificuldades para contratar profissionais de saúde para trabalhar em UTIs destinadas a pacientes com Covid-19. Faltam médicos, fisioterapeutas e técnicos de enfermagem para a missão. A SPMD (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina), organização social ligada à Unifesp (Universidade Federal de SP) que administra 16 hospitais em SP e gerencia 1.500 leitos de UTI no país, afirma que abriu 3.000 vagas para formar equipes. Do total, 600 ainda não foram preenchidas. “Houve forte ampliação de leitos no país e agora há problemas para encontrar profissionais”, diz o médico Nacime Salomão Mansur, superintendente da SPMD e vice-presidente do Instituto de Organizações Sociais de Saúde (Ibros). Segundo ele, já está cada vez mais difícil contratar médicos intensivistas, “que têm formação robusta para trabalhar com pacientes complexos como os de Covid-19 em uma UTI”. Transferir doutores de outros setores para as UTIs, por isso mesmo, não é algo trivial. “Não é qualquer médico que pode assumir a missão”, diz o superintendente da SPDM.

É um gargalo nacional”, diz o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB-MA). “Daí nossa proposta ao ministro da Saúde: trazer estrangeiros e abrir o Revalida [exame para médicos trabalharem no Brasil] especial para brasileiros formados no exterior”, diz ele. Há dificuldade ainda para contratar técnicos de enfermagem. “Estamos fazendo processos seletivos, mas só 20% dos inscritos têm sido aprovados”, diz Nacime. Por fim, faltam fisioterapeutas respiratórios para integrar equipes de UTIs. “Não quero dizer que há um colapso, mas estamos próximos do limite”, diz o superintendente da SPMD.” [Folha]

De quebra, os chineses não têm lá muita pressa em mandar os produtos para o Bolsonaro, sabe como é orgulho ferido:

“A aduana chinesa atrasou o cronograma do governo brasileiro, que previa receber nesta terça (21) voo fretado com materiais hospitalares para o combate ao coronavírus. A China quer inspecionar um lote de 5 milhões de máscaras antes de enviar uma carga de 17 milhões de unidades ao Brasil, com o argumento de que precisa conferir a qualidade do material. A previsão do Ministério da Infraestrutura é que a inspeção seja feita nesta quarta (22), com a liberação da carga para embarque. Os aviões fretados pelo Brasil já estão na China, à espera dos produtos.” [Folha]

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6. “Fatalismo democrático

Do Conrado Hubenr Mendes

“Pioneiro do rock russo, Andrei Makarevich contou em suas memórias que nunca lhe ocorrera que “qualquer coisa pudesse mudar na União Soviética”. Recordava-se do conforto de pensar que “tudo era para sempre”, de “viver num Estado eterno”. O colapso não cabia na sua imaginação. O mesmo se passa com democracias. A ideia de que nada é tão ruim quanto parece, ou de que a história está do seu lado, pouco importa o que fazemos, tende a produzir resignação e passividade em democratas. Dois séculos atrás Alexis de Tocqueville chamou a atenção para esse “fatalismo democrático”. David Runciman o chamou de “armadilha da confiança”: quanto mais se confia na permanência, maior o risco de pôr tudo a perder.

Democracias do mundo, nos últimos 20 anos, sofreram significativa queda de qualidade. A quantidade de cidadãos insatisfeitos com o regime não parou de crescer. Relatório do Centro para o Futuro da Democracia, da Universidade de Cambridge, mostra que a proporção de insatisfeitos atingiu o pico de 57,5% em 2020, marco da “recessão democrática”. O ano de 2020 também nos levou ao pico da “terceira onda de autocratização” no mundo, segundo relatório do Centro V-Dem, da Universidade de Gotemburgo. Pela primeira vez desde o relatório inaugural, de 2001, há mais países autocráticos que democráticos no mundo. O Brasil, descrito como país “em via de autocratização”, é um dos destaques negativos.” [Folha]

Enquanto isso, o que mais tem é gente apontando alarmismo nas críticas ao autoritarismo evidente do Bolsonaro:

“Apesar de tudo isso, logo após as eleições de 2018, surgiu aqui a legião dos profetas da democracia risco-zero. Vieram para nos proteger contra os alarmistas, aqueles que acenderam a luz amarela ao olhar não só para as palavras e atos de Bolsonaro em 30 anos de carreira, mas para a violência concreta e simbólica do movimento que ele incita. Os profetas, grupo eclético que reuniu de Ives Gandra a FHC, de Luís Roberto Barroso a Aloysio Nunes, e um pequeno grupo de acadêmicos, afirmavam que tudo não passava de “choro dos perdedores”. O cientista político Carlos Pereira não nos poupou de provocação assim que o governo Bolsonaro completou seu primeiro ano. Em texto com título jocoso —”Ih… a democracia não ruiu”— voltou a nos ensinar que “as chances de erosão da democracia brasileira são quase nulas”, uma “quimera”. Sua evidência científica era um famoso estudo da década de 1990, que relacionava estabilidade democrática e faixa de renda. Foi só. Não se deu sequer ao luxo de ouvir o que os autores daquele estudo, Fernando Limongi e Adam Przeworski, dizem hoje. Não permitiu a nuance, nem a dúvida.”

E aqui vai algo muito importante:

‘A deterioração democrática não chegou com Bolsonaro, mas ganhou com ele magnitude e velocidade desconhecidas. O presidente não só continua a apoiar o pedido de golpe militar e o fechamento do Congresso e do STF, como embarcou sem volta no negacionismo sanitário, contra tudo que diz a ciência e a experiência mundial. É negacionismo estratégico, pois lhe interessa o destino político, não as mortes. Há duas maneiras de instituições responderem. Uma é repousar no negacionismo político e emitir notas de repúdio. Outra é explorar vias políticas e jurídicas para preservar o mínimo democrático que nos resta, acima de projetos eleitorais de curto prazo. Ou alguma combinação criativa que não estamos vendo. A revolução autoritária não será promulgada. Nem sairá no Diário Oficial.”

Pra quem não lembra, a Dilma teve presos políticos, quem coordenou a repressão em 2013/2014 foi o governo federal na figura do então ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. Nunca vou esquecer disso, Dilma, e nunca vou esquecer que boa parte da esquerda votou numa presidente que bancou prisões políticas. Comecei a gostar de plítica lendo livros sobre a ditadura e se tem um troço que eu abomino é prisão política. Dito isso, nem fodendo dá pra comparar Dilma e Bolsonaro.

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7. “Sacrifiquem os fracos

“Diferentemente do calendário, a fome não pausa durante um feriado ou uma quarentena. Ao contrário, agrava-se e desespera aqueles que só obtêm alguma renda se puderem se virar, como vários desempregados e trabalhadores autônomos que moram nas favelas do Rio. Por isso, a ONG Rio de Paz repetiu nesta terça-feira uma doação de cestas básicas no Mandela, no complexo de Manguinhos, na Zona Norte. Os voluntários estiveram no local no último sábado, mas não puderam atender a todos e garantiram que voltariam nesta terça para entregar os alimentos à enorme fila de necessitados. Uma delas era Maria das Dores Costa, de 80 anos, que foi sozinha buscar a pesada cesta básica. No local, recebeu auxilio para colocar as doações em um carrinho de feira e levar para casa.

— Essa ajuda é muito importante, muito. Está difícil colocar o pão na mesa. Recebo uma pensãozinha desse tamanho e não tenho ajuda de nada. O que eu estou esperando da vida no meio dessa crise toda? A morte. Estou esperando minha hora chegar — disse, com um sorriso triste no rosto.” [O Globo]

O que me leva a esse tweet que resume boa parte da insanidade:

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8. O lado de lá

Do blog Saída á direita, da Folha:

“Principal expoente da tropa de choque digital de Bolsonaro, Allan dos Santos escreveu um tuíte com uma lógica um tanto circular para justificar uma intervenção militar. Se entendi bem, o que ele está dizendo é que não se pode proibir as pessoas de defenderem a intervenção. Se isso acontecer, aí é que precisamos mesmo de uma intervenção.” [Folha]

E lá vou eu colocar minha roupa de proteção química e fuçar o tweet desse demente…

“Eu vou te falar o que tá contecendo, o melhor momento da história da república brasileira. Por que eu não posso ser otimista gente? Quando a audiência conservadora foi tão alta quanto agora? Quem tem dinheiro pra isso são os liberais e a esquerda… então como é que eu não vou ficar otimista quando o povo gostou do saboooor (não é erro de digitação não) da democacria, o povo gostou, então eu posso ter o poder de fato, então eu posso colocar o dedo na cara dos usurpadores do STF… o povo tá tomando gosto pelo poder, não quer mais terceirizar, isso é maravilhoso gente, isso é lindo, caraca, eu nunca imaginei ver isso com meus próprios olhos, a população tá gostando de colocar o dedo na cara de polítici, isso é democracia, é quando o povo restringe o poder do estado”

Isso me lembrou dessa dancinha:

E óvio que eu me deparei com um sofisticado racicínio do Olavão:

Voltando ao texto:

“O empresário e ativista conservador Leandro Ruschel compartilhou em suas redes sociais foto de manifestação em frente a um quartel no Rio de Janeiro pedindo intervenção militar. Antes, havia feito um chamado às Forças Armadas para “derrubar o establishment podre”.
Há vozes exaltadas entre parlamentares também. Um exemplo é o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ). Em uma live, ele lamentou “a impotência de não podermos modificar [o Brasil] do dia para a noite, salvo se as Forças Armadas dissolverem STF, Parlamento e tudo”.”

Esse último verme é o sujeito que quebrou a placa da Marielle.

“Líder do movimento chapa branca Nas Ruas, Tomé Abduch escreveu que “ainda” é a favor da democracia. Mas alertou: sua paciência com esse sistema está acabando.”

O suejito é chamado de chapa-branca até por um blog direitista, fascinante. Essa aí é o demente que tocou “como é grande o meu amor pra você” para o Moro e chorou! Esse sujeito impaciente é um perigo, hein!

E o que acontece quando o presidente muda de discurso e posa de defensor da democracia?

“Assim, o presidente recolheu as armas na segunda-feira (20), e chegou a dizer que ele e a Constituição são indissociáveis. Nas redes sociais, seus comandados fizeram o mesmo, e pipocaram juras de amor à democracia. Até, claro, esse ciclo vicioso recomeçar, o que não deve demorar muito.”

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9. Doria

“Sim. Fiz campanha me posicionando contra esquerda, o PT. O outro candidato era Jair Bolsonaro. Por ser candidato, eu tinha que ter um lado, que não poderia ser o do nulo ou em branco. Nunca fiz isso.” [Folha]

Como se nas outras eleições o candidato que teve seu voto defendesse tortura e louvasse torturador.

“Mas não tinha a perspectiva de ter um presidente que pudesse vir a ter comportamentos tão irresponsáveis, tão distantes da verdade, tão condenáveis sobretudo numa situação de pandemia como essa.”

Quem poderia imaginar, né, Doria?! Uma escolha muito, muito difícil.

Sobre as manifestações por intervenção militar Doria mandou um claro recado ao presidente:

“Entendo que, ainda que sejam condenáveis, do ponto de vista de serem inconstitucionais e até repugnantes —e digo isso na condição de ser filho de um ex-deputado federal cassado pelo golpe de 1964 e que sofreu dez anos de exílio, com dois dos quais eu convivi—, a manifestação é de livre direito de quem quer se manifestar. Desde que não seja uma autoridade pública, evidentemente. Uma autoridade pública com mandato não deve se pronunciar em circunstâncias como essa, ferindo a Constituição.”

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10. África

Essa coluna do Hélio Schwartzman desgraçou a minha cabeça, mas antes da parte sobre a África uma boa explicação sobre o fino equilíbrio envolvendo a pandemia:

“Sem uma vacina que possa ser aplicada em larga escala, essa pandemia só vai acabar depois que a maioria dos terrestres tiver sido contaminada pelo Sars-Cov-2 e tornar-se imune a ele. Não vou considerar aqui a hipótese mais trágica, mas que não pode ser inteiramente descartada, de que infecções prévias não confiram proteção pelo menos parcial ao paciente. Isso significa que, a menos que sua confiança na chegada relativamente rápida da vacina seja de 100%, as políticas de isolamento social que a grande maioria dos países abraçou precisam ser fortes o suficiente para evitar o colapso dos sistemas de saúde, mas não tão draconianas que impeçam o aparecimento gradual da chamada imunidade de rebanho.

O ritmo em que devem ocorrer tanto o isolamento como a retomada só pode ser calculado em nível local, levando em consideração itens tão variados como a capacidade da rede hospitalar e da realização de testes, a adesão da população às recomendações sanitárias, perfil demográfico, densidade urbana, hábitos de interação social etc. Se tem lógica para a Suécia, onde mais da metade das residências é ocupada por apenas um morador, adotar uma forma mais relaxada de distanciamento —grande parte das infecções ocorre dentro de casa—, essa mesma abordagem pode revelar-se desastrosa numa favela brasileira, onde quatro ou mais pessoas vivem num único cômodo, sem água corrente para a lavagem das mãos.” [Folha]

Se prepare porque o parágrafo abaixo é desesperador:

“E a coisa pode ficar ainda pior. O que fazer no caso dos muitos países africanos que têm mais ministérios do que leitos de UTI? Não estou exagerando. Dez países africanos não têm nenhum ventilador; outros quatro contam com não mais que meia dúzia. Neste caso, a carência é tamanha que o próprio objetivo de proteger o sistema de saúde perde parte do sentido. Pode-se ainda defender o isolamento na esperança de que surja a vacina ou um remédio eficaz, mas aí já vira mais aposta do que gestão.”

E tem mais desolação:

“Enquanto a Covid-19 monopoliza a atenção global, uma epidemia esquecida segue matando numa das regiões mais instáveis do continente africano. O surto de ebola no leste da República Democrática do Congo foi oficialmente declarado em agosto de 2018 e desde então já deixou 2.266 mortos entre 3.311 infectados. A taxa de mortalidade é de estratosféricos 68,4%, ou dez vezes a do coronavírus na média mundial (6,88%). Dentre os infectados, 29,2% são crianças. Este já é o segundo maior surto de ebola da história, perdendo apenas para o que atingiu países da África ocidental entre 2013 e 2016, quando houve mais de 11 mil mortos. Há duas semanas, a epidemia esteve muito próxima de terminar. Apenas 48 horas antes de vencer o prazo mínimo de 42 dias sem um novo caso, que encerraria oficialmente a crise, um eletricista de 26 anos morreu de ebola na cidade de Beni. Desde então, surgiram pelo menos mais dois novos casos, e a perspectiva é de que a epidemia se prolongue por no mínimo mais alguns meses, podendo novamente sair de controle.”  [Folha]

O pior é que tem vacina, mas a vacina não consegue chegar a quem precisa:

“Em comunicado no dia 14 de abril, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, reconheceu que “um progresso enorme foi feito para conter esse surto em circunstâncias muito difíceis”. Mas ele lamentou que grupos armados estão ativos na área onde os casos foram identificados. Além disso, afirmou Ghebreyesus, “a falta de recursos limita a resposta e a pandemia da Covid-19 criou mais desafios para uma operação que já é complexa”. Desde o ano passado, há uma vacina disponível, mas a logística de distribuição na região leste da República Democrática do Congo é dificultada pela infraestrutura de transporte precária e pela situação de insegurança.

Para as equipes de ajuda humanitária que estão há quase dois anos tentando conter o alcance de ebola, a chegada de uma epidemia “concorrente” é uma péssima notícia. “O surto no Congo sempre foi uma crise esquecida, mesmo quando estava desacompanhada. Agora ela ocorre junto com uma crise global, em que os países que costumam doar recursos contra o ebola também estão sendo afetados”, diz Johnson Lafortune, responsável pelo combate ao ebola da ONG World Vision International, com sede no Reino Unido. Desde os anos 1990, dezenas de grupos armados disputam controle sobre o leste da República Democrática do Congo, região rica em minerais. Alguns são patrocinados por países vizinhos, como Ruanda e Uganda, e tentam desestabilizar o governo central, baseado na distante capital congolesa, Kinshasa. “Temos casos de intrusão de grupos armados em vilas no meio dessa crise. Hoje de manhã mesmo, eu estava lendo um relatório feito por nosso oficial de segurança sobre o número de pessoas mortas ou atacadas nos últimos dias”, afirma Lafortune. Em razão dos ataques, milhares de pessoas estão constantemente em movimento na região, o que dificulta o tratamento dos doentes e ajuda a espalhar o vírus.”

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11. Que proeza

O Abraham é, por larga vantagem, o ministro mais cretino desse governo, ele deixa pra trás figuras como Ernesto e Salles, é uma proeza.

“O Ministério da Educação (MEC) não aceitou mais um resultado de eleição para reitor de instituições de ensino da rede federal e designou um reitor temporário para assumir o Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). A pasta não informou o motivo pelo qual não acatou a decisão da maioria da comunidade acadêmica. Nomeado pelo ministro Abraham Weintraub, Lucas Dominguini já comunicou ao ministério que não vai assumir o cargo sem que haja justificativa pública do motivo pelo qual o processo eleitoral não foi respeitado.” [Folha]

““O ministério precisa justificar muito bem o motivo de o processo eleitoral não ter sido aceito. Depois a comunidade vai analisar e verificar se considera os motivos coerentes ou não. Sem justificativa, a reação vai ser contrária e isso é correto. Afinal, a instituição promoveu um processo democrático e dentro da legalidade”, disse Dominguini, que é diretor do campus de Criciúma. Para ele, é preocupante a recorrência de nomeações do MEC que não acataram a decisão das instituições de ensino. Na sexta (17), o ministério também nomeou um reitor temporário para o Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN).”

Que ídolo! E imagine aí a sinuca de bico do suejito que aceitou ser nomeado no IFRN depois dessa notícia…

“O Ministério Público Federal questionou nesta segunda as designações e pediu que Weintraub apresente, em um prazo máximo de dez dias, “as razões que impediram a observação do resultado decorrente do processo eleitoral” nos dois institutos. A procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, pede que o ministro fundamente tecnicamente a decisão com a apresentação de documentos que mostrem porque a escolha da comunidade acadêmica não pode ser acatada. No ano passado, ao menos seis institutos federais tiveram as nomeações de seus respectivos reitores pendentes. O governo Jair Bolsonaro (sem partido) também deixou de dar posse ao mais votado para reitor em três universidades federais, rompendo uma tradição que se mantinha desde 2003, na gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em audiência no Senado em maio do ano passado, Weintraub indicou que a retenção das nomeações tinha relação com questões políticas. Na ocasião, ele afirmou que os ânimos estavam exaltados e que aguardaria o melhor momento para fazer as nomeações.”

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12. Petróleo

Boa observação do Carlos Linhares:

petroleo

“Esse mapa corresponde aos petroleiros que estão varados sem poder vender seu produto. E não é só isso, toda a estrutura está tomada por petróleo parado. Dutos, tanques terrestres. E pior, a extração continuará funcionando por bastante tempo, pois a mecánica dos poços não admite uma redução brusca. Cada um desses pontinhos precisa de 30 mil dólares por dia para se manter parado. Manter o petróleo nos dustos, nos tanques terrestres também tem um custo. Assim que o que parece irracional está coverto de uma trágica racionalidade, estamos diante uma crise de superprodução, com consequências ainda difíceis de mensurar.”” [Facebook]

Que troço brutal!

“O petróleo tipo Brent, referência mundial de preços para a commodity, fechou abaixo dos US$ 20 pela primeira vez em quase 20 anos. O preço do barril com vencimento em junho deste ano encerrou as negociações cotado em US$ 19,33 (R$ 102,13) nesta terça-feira (21), o menor patamar desde 7 de fevereiro de 2002. O contrato futuro para maio do barril dos EUA, por sua vez, encerrou com valorização de 126,6%, cotado em US$ 10,01 (R$ 52,89). O movimento vem um dia após o barril dos EUA com vencimento para maio ter atingido o preço negativo de US$ -37,63 (R$ -198,82) pela primeira vez na história.

Nos mercados futuros, como o de petróleo, compra-se o direito de receber o produto ao fim de determinado prazo —nesse meio tempo, pode-se negociar os papéis para realizar lucros em momentos de alta, ou rolar para novos contratos com prazo maior, mas as posições abertas no dia do vencimento envolvem entregas físicas do produto. A falta de demanda ante a quarentena em diversos países do mundo e a continuidade da produção do petróleo têm diminuído cada vez mais a capacidade de estocagem da commodity, o que provocou uma corrida na venda de posições, provocando uma forte queda nos preços. Desde o início do ano, o petróleo tipo Brent, por exemplo, acumula uma queda de 70%. O petróleo americano acumula perda de 78%.” [Folha]

E livre mercado no cu dos outros é refresco:

“O presidente dos EUA, Donald Trump, também disse que pediu ao seu gabinete para que crie um plano de injeção de dinheiro na indústria petrolífera do país para ajudá-la a sobreviver ao colapso dos preços da commodity. Companhias de petróleo e gás americanas vêm lutando para evitar a falência em meio às ordens de confinamento domiciliar e interdições dos negócios em todo o mundo em reação ao surto de coronavírus. “Jamais decepcionaremos a grande indústria de petróleo e gás dos EUA. Instruí o secretário de Energia e o secretário do Tesouro a formularem um plano que disponibilizará fundos para que estas empresas e empregos muito importantes fiquem protegidos em um futuro distante!”, publicou Trump em seu Twitter.”

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13. “Gracias China!!!

Do Nelson de Sá:

“Na chamada do New York Times, “Gracias China!!!”. Artigo de representantes de dois “think tanks” do establishment de política externa, Council on Foreign Relations e Inter-American Dialogue, destaca que Argentina e México agradecem Pequim pelo apoio contra a Covid-19 –e até “Jair Bolsonaro minimiza sua retórica”, embora mais para manter a venda de soja.

Enquanto isso, Donald Trump “anuncia aumento de ativos militares no Caribe e costa do Pacífico”, quando, “em vez de destroieres da Marinha, os EUA deveriam prestar assistência humanitária a nossos vizinhos”, como faz a China. Em suma, no subtítulo, “Liderança dos EUA na América Latina é questionada e Pequim se posiciona para ficar com o manto”.

O consultor americano Ian Bremmer, da Eurasia, voltada para risco geopolítico, falou na mesma linha ao podcast do âncora da NBC Chuck Todd. Relatou que a cadeia de suprimentos da China já está em 70% e atinge “funcionamento total” em maio. “Ou seja, enquanto os americanos ainda estiverem parados, os chineses estarão prontos para ser a fábrica do mundo de novo.”

Por toda parte, conclui ele, “os cidadãos começam a dizer: ‘Por que estamos seguindo os EUA?’. Você vê isso no Sudeste Asiático, na África, na Europa e até na América do Sul”.” [Folha]

Ah, e por falar em China:

“Reportagem do Financial Times sobre a “guerra de mídia social” de Eduardo Bolsonaro e Abraham Weintraub com a China ouve, de “autoridade de comércio” brasileira: “O pior é que isso pode plantar uma semente de desconfiança, criar uma imagem negativa do Brasil como fornecedor de produtos à China”. E de “diplomata sênior” brasileiro: “Já danificou as relações. Os chineses já sinalizaram que, se continuarem, os danos podem ser mais tangíveis. Essas mensagens já foram enviadas”.” [[Folha]

Falando nisso Abraham voltou a atacar os chineses, porra! O texto é do excelente Jamil Chade:

“O chanceler Ernesto Araújo postou em plena madrugada um texto em suas redes sociais. Não se trata de uma orientação para lutar contra a pior crise sanitária em quase cem anos. Mas um alerta sobre a necessidade de que se combata o comunismo que, segundo ele, vai se aproveitar do momento para implementar sua ideologia por meio do fortalecimento de entidades internacionais, como a OMS. Ao longo das últimas semanas, o governo brasileiro se distanciou de iniciativas internacionais, não apoiou resoluções na ONU, não criticou o corte de dinheiro dos EUA para a OMS, não enviou ministros para reuniões, não adotou uma postura de protagonismo no cenário internacional e não foi a uma reunião entre ministros para fortalecer o multilateralismo.

Desde sua chegada ao poder, Araújo deixou claro que o estado-nação não deve se submeter a um poder internacional e vem implementando tal visão durante a pandemia. Agora, ele da pistas do motivo para tal postura. “O Coronavírus nos faz despertar novamente para o pesadelo comunista”, adverte o título do texto do chanceler. “Chegou o Comunavírus”, escreveu o ministro, conhecido por suas posições próximas ao governo dos EUA. Segundo ele, a ideia de transferir poderes para a OMS seria o primeiro passo de um plano comunista. Araújo insiste que tal ameaça fica esclarecida em uma obra de Slavoj Zizek, “um dos principais teóricos marxistas da atualidade, em seu livreto “Virus”, recém-publicado na Itália”. “Zizek revela aquilo que os marxistas há trinta anos escondem: o globalismo substitui o socialismo como estágio preparatório ao comunismo. A pandemia do coronavírus representa, para ele, uma imensa oportunidade de construir uma ordem mundial sem nações e sem liberdade”, disse o brasileiro, que indica a influência do autor em diversos meios.

Um dos ataques de Araújo se refere ao modelo de controle. Uma vez mais, ele cita um trecho da obra que pede: “Vigiar e punir? Sim, por favor!” “Refere-se Zizek, naturalmente, ao título do livro de 1975 de Michel Foucault, Surveiller et Punir no original, que descrevia a evolução das prisões do Século XIX para as prisões sem grades da sociedade de controle da pós-modernidade ocidental”, apontou o ministro. O chanceler ainda usa trechos do livro que citam a China e aposta como o autor tem uma relação ambígua em relação ao país asiático: “Não surpreende que, ao menos até agora, a China – que já empregava largamente sistemas de controle social digitalizado – se tenha demonstrado a mais bem equipada para enfrentar a epidemia catastrófica. Deveremos talvez deduzir daí que, ao menos sob alguns aspectos, a China represente o nosso futuro? Não nos estamos aproximando de um estado de exceção global?” “Mas se não é esse [o modelo chinês] o comunismo que tenho em mente, que entendo por comunismo? Para entendê-lo, basta ler as declarações da OMS.”” [UOL]

Pandemia e o chanceler fazendo resenha de livro, porra!

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14. Fome

“O mundo está enfrentando fome generalizada “de proporções bíblicas” por causa da pandemia do novo coronavírus. É o que alertou o chefe da agência de assistência alimentar da Organização das Nações Unidas (ONU), o Programa Mundial de Alimentos (WFP, na sigla em inglês), David Beasley. Em entrevista ao jornal inglês The Guardian, o diretor executivo do órgão afirmou que há pouco tempo disponível para agira antes que centenas de milhões passem fome. “Não estamos falando de pessoas que vão dormir com fome. Estamos falando de condições extremas, situação de emergência. Pessoas literalmente marchando à beira da fome. Se não conseguirmos comida para as pessoas, as pessoas vão morrer”, disse Beasley ao Guardian.

Um relatório produzido pela ONU, em cooperação com outras organizações, mostra que pelo menos 265 milhões de pessoas estão sendo levadas à beira da fome pela crise do novo coronavírus. O número é o dobro do contabilizado antes da pandemia. Mais de 30 países em desenvolvimento convivem com fome generalizada. Em 10 desses países já são mais de 1 milhão de pessoas afetadas pela fome, segundo aponta Beasley. “Nenhuma dessas mortes iminentes por fome é inevitável. Se conseguirmos dinheiro e mantivermos as cadeias de suprimentos abertas, poderemos evitar a fome”, afirmou. “Podemos parar com isso se agirmos agora.” Na terça-feira, 21, o diretor falou aos membros do Conselho de Segurança da ONU, alertando os líderes mundiais que se faz necessária uma ação rápida para que a situação não se deteriore ainda mais. Ao fim, Beasley pediu o adiantamento de US$ 2 bilhões (aproximadamente de R$ 10 bilhões e 700 mil) em ajudas prometidas para que seja possível chegar à linha de frente.” [[Estadão]

E o alerta já tava dado desde o ano passado, essa que é a doideira:

“Mesmo antes da crise do novo coronavírus, Beasley apelava aos países doadores para aumentar o financiamento de ajuda alimentar aos mais pobres, porque os conflitos e os desastres naturais estavam pressionando seriamente os sistemas alimentares. “Eu já estava dizendo que 2020 seria o pior ano desde a Segunda Guerra Mundial, com base no que prevíamos no final do ano passado”, disse ele. Além dos fatores previstos, outros imprevistos pioraram o cenário. No início do ano, por exemplo, a África Oriental foi atingida pelos piores enxames de gafanhotos em décadas, colocando em risco 70 milhões de pessoas. A pandemia também foi um fator que não estava no radar. “Agora, meu Deus, esta é uma tempestade perfeita. Estamos olhando para uma expansão da fome em proporções bíblicas”, disse o diretor.”

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>>>> Uma zona de dimensões continentais: “Em meio à mais grave crise dos últimos anos, o Brasil corre o risco de não saber exatamente o tamanho do buraco a que foi lançado durante a pandemia do coronavírus. Não há quem duvide que a estagnação da atividade econômica e o confinamento social estejam gerando demissões em diversos setores, mas passado um mês do agravamento da crise sanitária, sabe-se muito pouco. Em outras palavras, não há estatísticas oficiais para o que trabalhadores do país estão enfrentando no dia a dia. Tampouco se sabe como foram os meses que antecederam a chegada do coronavírus ao Brasil. O Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), que mede o sobe e desce do emprego formal, ainda não foi divulgado neste ano. Nem os dados dos meses de janeiro e fevereiro foram divulgados ainda. A Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), pesquisa conduzida pelo IBGE por amostragem, e muito importante para medir a informalidade e o emprego por conta própria –além da taxa de desemprego oficial do país–, vai ter que mudar. A pesquisa passará a ser feita pelo telefone, modelo sujeito a distorções. O seguro-desemprego, benefício que pode ser solicitado via internet, já está sendo pago aos dispensados pelo coronavírus. Quantos são, no entanto, ainda não se sabe, e o Ministério da Economia não tem previsão de quando serão apresentados os dados do primeiro mês sob a pandemia. Em outros países, como nos Estados Unidos, os dados do auxílio pago a desempregados são liberados semanalmente pelo Departamento de Trabalho. Até dezembro de 2018, o então Ministério do Trabalho (hoje incorporado à Economia) mantinha ativo o Painel do Seguro-Desemprego. A página foi lembrada pelos dois pesquisadores como um instrumento pronto e disponível, que poderia ser rapidamente reativado pelo governo federal para fornecer informações. Isso, porém, não deve acontecer. Segundo a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, o painel foi desativado pois a quantidade de acessos não justificava a manutenção do sistema, “que exigia emprego de recursos e servidores.””  [Folha]

>>>> Um completo demente:

>>>> Risos: “Deputados paulistas do PSL vão protocolar na quarta (22), na Assembleia Legislativa de SP, um pedido de impeachment contra o governador de SP, João Doria (PSDB). O documento elenca 19 pontos em que os parlamentares alegam ter havido “ilegalidades, imoralidades e condutas pouco republicanas”, acusando o tucano da prática de “crimes de responsabilidade”. A ação foi elaborada pelos deputados Gil Diniz, Douglas Garcia, Major Mecca, Frederico D’Ávila e Valéria Bolsonaro. Entre os motivos apontados pelo texto estão “a utilização indevida e ilegal de bem público em desfavor da população”, referindo-se ao episódio no qual Doria pediu a transferência de um helicóptero da Polícia Militar para uso do Palácio dos Bandeirantes, mas desistiu após questionamento. O pedido de impedimento também cita o monitoramento da população do estado de SP por meio de parceria com empresas de telefonia –o governo está usando esses dados para acompanhar a adesão ao isolamento social pedido pelo Executivo municipal. O texto ainda aponta a “montagem de hospital temporário de campanha com valor abusivo e desarrazoado”, referindo-se aos leitos de campanha erguidos no complexo esportivo Constâncio Vaz Guimarães por R$ 42 milhões.” [Folha]

>>>> Indicações técnicas! “O ministro do Turismo, Marcelo Alvaro Antonio, nomeou um pastor e um blogueiro do Aliança pelo Brasil para cargos de chefia no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O pastor Zilfrank Antero, que também afirma ser coach motivacional, foi escolhido chefe da divisão administrativa da superintendência do Iphan na Paraíba no último dia 25. “As pessoas não invejam o que você tem, invejam quem você é. Elas não querem os seus bens, querem a sua essência”, ensina nas redes sociais. Desde a última sexta-feira, Victor Lucchesi, blogueiro do Aliança pelo Brasil, é o coordenador administrativo do Iphan mineiro. Lucchesi tem apenas 25 anos e não possui qualquer experiência no serviço público. Em seu canal no Youtube com 26 mil seguidores, Lucchesi reza fielmente a cartilha bolsonarista: duvida da existência de panelaços e divulga que a cloroquina teve eficácia comprovada.” [Época]

>>>> Em Goiás: “Prévia da arrecadação no estado de Goiás mostra que, em abril, até o dia 20, a arrecadação de ICMS caiu 11,15% em relação ao mesmo período do ano passado. A queda é inferior ao limite de 30% previsto no projeto de recomposição de perdas da Câmara. Especialistas avisam, porém, que é só o início da crise e que os números tendem a piorar. A arrecadação que incide sobre telecomunicações aumentou quase 26%, mas foi insuficiente para compensar perdas em outras atividades, como na eletricidade, que caiu quase 28%. O agronegócio goiano não viu crise. O faturamento da produção agropecuária cresceu quase 50% em relação a abril de 2019 e da indústria de carnes, 42,39%.” [Folha]

>>>> Bom texto do matemático Marcelo Viana, diretor-geral do IIMPA, Instituto de Matemática Pura e Aplicada: “Considere uma folha de papel quadriculado: cada quadrado é uma “célula”. No início, alguns quadrados estão pintados: são células “vivas”; as demais estão “mortas”. A partir dessa configuração inicial, o “organismo celular” evolui sozinho. A cada dia, toda célula viva com 2 ou 3 vizinhas vivas sobrevive. Toda célula morta com 3 vizinhas vivas renasce. As demais células morrem, se estiverem vivas, e permanecem mortas, caso contrário. Este modelo foi concebido pelo matemático britânico John Conway (1937–2020), que o chamou Jogo da Vida, e foi publicado pela primeira vez pelo grande divulgador da ciência Martin Gardner (1914–2010), na edição de outubro de 1970 da revista Scientific American. Ele atraiu imediatamente muita atenção devido ao modo surpreendente como o “organismo celular” evolui a partir da configuração inicial, mostrando que padrões organizados complexos podem resultar de regras simples, sem a intervenção de qualquer projetista inteligente. A fama do Jogo da Vida também se beneficiou do fato de que a partir dos anos 1970 se expandiu muito o acesso aos computadores eletrônicos, que permitem simular o jogo de modo muito mais prático e rápido do que numa folha de papel. Estima-se que até hoje foi gasto mais tempo de computador com o Jogo da Vida do que com qualquer outro problema.” [Folha]

>>>> Marco Rubio comunista! “Também no NYT, o senador republicano Marco Rubio propõe “uma abrangente política industrial pró-americana”, depois de “décadas priorizando ganhos financeiros sobre a produção de bens físicos”. O modelo –e concorrente– é a China, onde “o Partido Comunista apoiou as empresas no desenvolvimento do capital produtivo de longo prazo”. Em suma: “Por que não tivemos máscaras e ventiladores? Porque são ações que não maximizam retorno financeiro” em Wall Street.” [Folha]

>>>> Enquanto isso, no Peru: “Com mais de um mês em quarentena e o “colapso” de hospitais e crematórios em Lima, sites peruanos noticiam que a “Polícia bloqueia rodovia enquanto pessoas tentam fugir” da capital (imagem acima). Na manchete do El Comercio, o país passou de 17 mil casos, o segundo na América Latina, e “Lima reporta mais mortos que todo o Chile”, o terceiro. O ministro peruano da Saúde declarou: “Queremos evitar o que se viu em Guayaquil”, corpos nas ruas. Washington Post e o site chinês NetEase já acenderam o sinal vermelho sobre o Peru, com o segundo destacando o temor da América do Sul de se tornar “o próximo campo de batalha” da pandemia” [Folha]

>>>> É impressionante como Trump fala grosso com os aliados e afina para aqueles que deveriam ser seus inimigos: “O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse nesta terça-feira (21) desejar o melhor ao ditador norte-coreano Kim Jong-un, enfatizando que os rumores sobre seus possíveis problemas de saúde não foram confirmados. “Desejo-lhe o melhor”, disse Trump à imprensa na Casa Branca, destacando seu “bom relacionamento” com o líder da Coreia do Norte. “Se o seu estado de saúde é como o relatado pela mídia, é muito sério”, afirmou. “Ninguém confirmou isso … Não sabemos nada”, disse Trump. Em seguida, acrescentou que espera ver Kim com boa saúde. Especialistas que estudam o país apontam que os relatos sobre a saúde de Kim são difíceis de confirmar, mas que sua inédita ausência nos eventos de aniversário do avô são um sinal de algo de que algo errado aconteceu.” [Folha]

>>>> Cloroquina nos EUA: “Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (Niaid, na sigla em inglês), dos EUA, divulgou um documento no qual contraindica o uso de hidroxicloroquina e azitromicina para tratamento da Covid-19. A entidade também não indica o uso de lopinavir/ritonavir, drogas que também estão em estudo para tratar a doença. A recomendação foi elaborada por um painel de especialistas com representantes de pelos menos 13 entidades, como agências governamentais (entre elas a agência que regula remédios, a FDA ,e o Centro de Controle de Doenças, o CDC) e associações médicas americanas. Segundo o documento, o uso das drogas citadas só deve ser feita em ensaios clínicos. A associação de hidroxicloroquina e azitromicina é desencorajada por causa de sua potencial toxicidade. Com relação somente à hidroxicloroquina e à cloroquina, o Niaid afirma que ainda não há dados suficientes para uma indicação a favor ou contra as drogas no tratamento da Covid-19. O documento alerta, contudo, que o uso deve ser acompanhado de monitoramento dos efeitos adversos, considerando o risco de alterações cardíacas e mal súbito. Um novo estudo americano ainda não publicado e revisado por pares analisou uso de hidroxicloroquina e azitromicina em pacientes internados de Covid-19 e não observou eficácia do tratamento em reduzir mortes ou necessidade de respiração com auxílio de máquinas. A pesquisa encontrou também uma mortalidade maior nos pacientes que tomaram somente hidroxicloroquina. Problemas metodológicos, porém, não permitem tirar conclusões seguras sobre uso da droga” [Folha]

>>>> Do Caio Almendra: “Começaram a circular infos sobre como o COVID pode causar ataque cardíaco. Porém, os estudos estão comprometidos por um motivo infeliz: automedicação de cloroquina. Cloroquina causa ataque cardiaco. Sujeito se automedica, muito provavelmente comprando de uma fonte ilegal, dado que o remédio exige prescrição médica, e morre. Se bobear, super-dosou ou estava tomando outros remédios que pioram os riscos de ataque cardíaco. Afinal, não foi ao médico, se consultou via fake de WhatsApp. No meio da calamidade, fica impossível investigar se ele se automedicou ou não. Estava com COVID, logo entra na conta do “Covid causa ataque cardíaco”. E fica mais difícil estudar essa doença e os riscos aos pacientes com problemas cardíacos. É um caso típico onde desinformação gera mais desinformação.” [Facebook]

>>>> Boa matéria d’O Globo sobre a história de 11 profissionais da saúde que morreram por conta do Covid-19: “A última vez que o técnico em enfermagem Jorge Alexandre de Oliveira Andrade, de 45 anos, encontrou seus quatro filhos foi no dia 27 de março, duas semanas antes de morrer de Covid-19. No período em que permaneceu internado num hospital particular em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, Jorge só falava com a família por videochamada, pelo celular. Até o dia 6, mesmo com diabetes, hipertensão e obesidade — comorbidades da Covid-19 —, Jorge seguiu sua rotina de trabalho normalmente no Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca, unidade de referência no tratamento da doença. Na semana seguinte, logo que foi diagnosticado com o coronavírus, o técnico em enfermagem já tinha metade do pulmão comprometido. No dia 13, sua morte foi confirmada. Profissionais do Hospital Lourenço Jorge fizeram uma salva de palmas na porta da unidade em homenagem ao amigo no dia seguinte à morte. “Nosso amigo da enfermagem, sentiremos saudades. Que Deus conforte os corações em luto. Descanse em paz”, dizia um cartaz feito pela equipe do hospital.” [O Globo]

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